Recentemente, o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde – Bento Morais –  fez um comentário, no Facebook, numa notícia no pasquim local, sobre a nomeação de José Manuel Fernandes para ministro da Agricultura e do Mar, classificando-a como “merecida”. Como alguém que já há vários anos tem acompanhado de perto as movimentações políticas em Vila Verde, sinto-me compelido a refletir sobre as implicações de tal declaração e sobre o contexto mais vasto que a envolve.

Design sem nome – 1

Em março de 2018, escrevi um artigo no Semanário V a alertar para o que, na altura, considerava ser uma possível movimentação para tomar o controlo de importantes instituições locais, nomeadamente os Bombeiros Voluntários e a Santa Casa da Misericórdia de Vila Verde. O foco de tais movimentações parecia ser a afirmação da ala “fernandista” do PSD, com um claro olhar para as eleições autárquicas de 2021. O objetivo? Garantir uma maior “fidelidade” destas duas instituições ao projeto político da ala liderada por José Manuel Fernandes, por forma a consolidar o poder político do PSD em Vila Verde.

SEMANÁRIO V, QUA 28 MAR 2018

Na altura, já se falava na possibilidade de José Manuel Fernandes ser afastado das listas para o Parlamento Europeu, após o apoio que deu a Santana Lopes nas últimas eleições internas do PSD. E, mais ainda, surgia o plano de afastar o provedor da Santa Casa da Misericórdia, Bento Morais, para abrir espaço a um novo líder que estivesse mais alinhado com os interesses da referida ala. A nomeação de José Manuel Fernandes para o governo, agora como Ministro da Agricultura e do Mar, parece, então, ser a concretização de uma estratégia política de longo prazo.

Mas o que é que essa nomeação e o comentário do provedor nos revelam sobre o atual cenário político em Vila Verde? A primeira coisa que se destaca é a relação entre as instituições locais e a política. O facto de o provedor ter feito um comentário público sobre a nomeação de Fernandes demonstra, de certa forma, a forma como a política local, e as figuras que nela desempenham papéis importantes, acabam por influenciar o destino das nossas instituições de bem público, como a Santa Casa da Misericórdia. Ao qualificá-la de “merecida”, o provedor parece, na minha opinião, não só reconhecer as qualidades pessoais e políticas de Fernandes, mas também reforçar a ideia de que há uma interligação entre a política partidária e o funcionamento das nossas instituições.

José Manuel Fernandes e Bento Morais

Isto não é algo que deva ser encarado de forma leviana. Como mencionei no meu artigo de 2018, havia uma clara intenção de capturar as instituições locais para consolidar o poder político, algo que poderia ser visto como um “assalto” a instituições históricas e fundamentais como os Bombeiros e a Santa Casa. Este tipo de movimentações não é novo e reflete a estreita ligação que, em alguns casos, existe entre a política e as entidades que deveriam ser independentes e imparciais.

Agora, ao comentar a nomeação de José Manuel Fernandes, o provedor não faz mais do que reafirmar a sua posição no tabuleiro político, algo que, aliás, já tinha vindo a ser notado nas movimentações do passado. Este tipo de declarações, feitas com tamanha naturalidade, são preocupantes, pois indicam que em Vila Verde a política está constantemente em jogo, mesmo dentro de instituições que, à partida, deveriam ser apolíticas.

Relembrando ainda o que escrevi em 2018, a estratégia não era apenas a tomada de controlo das instituições, mas também o ataque a quem se opusesse a esta agenda. No caso da Misericórdia, foi a vez de Bento Morais, provedor há mais de 20 anos e responsável por uma obra notável na instituição, ser alvo de uma tentativa de afastamento. Na altura, já era claro para mim que uma das táticas seria difamar a sua gestão, alimentando rumores e usando a máquina política para enfraquecer a sua posição.

A política local, em Vila Verde, é frequentemente marcada por manobras de bastidores e movimentações estratégicas que não beneficiam os cidadãos nem as instituições. Ao ver agora a nomeação de José Manuel Fernandes sendo aclamada como “merecida”, é impossível não traçar paralelismos com as movimentações passadas, que apontavam para uma luta pelo poder local, onde a política partidária se sobrepõe às necessidades e à independência das instituições de bem público.

Este tipo de comportamento é algo que deve ser discutido publicamente e com transparência. As instituições como a Santa Casa da Misericórdia, que desempenham um papel vital na nossa sociedade, não podem ser usadas como moeda de troca ou como ferramenta de afirmação de um projeto político partidário. Precisamos de mais independência, mais isenção e mais respeito pelas instituições que servem o bem comum. A política deve servir os cidadãos, e não os interesses pessoais ou partidários de quem detém o poder.

O comentário do provedor, ao considerar a nomeação de José Manuel Fernandes “merecida”, acaba por levantar questões mais profundas sobre a relação entre a política local e as nossas instituições. O que parece ser um simples apoio a um nome no governo revela, na verdade, as complexas dinâmicas de poder que, muitas vezes, não beneficiam o interesse público, mas sim a manutenção de um certo status quo político.

A reflexão que devemos fazer, e que chamo a atenção para ela, é sobre o papel das instituições em Vila Verde, da necessidade de maior autonomia e independência face a pressões políticas e da importância de garantir que as nossas estruturas de bem público não se tornem apanágios de interesses partidários. O futuro de Vila Verde depende disso.