Eleições Legislativas: Fim do bipartidarismo em noite de mudança histórica no Parlamento português

A noite eleitoral de domingo marcou uma viragem sem precedentes no panorama político português. Com a Aliança Democrática (AD) a alcançar a vitória, o PS e o Chega empatados em segundo lugar, e um Parlamento agora composto por dez partidos, confirmou-se o fim do bipartidarismo que dominou a democracia portuguesa nas últimas décadas.

Vitória clara para Montenegro, mas sem maioria

Luís Montenegro, líder da AD, saiu da noite como o grande vencedor, mas com uma vitória agridoce: reforçou a representação parlamentar do seu partido, que passou de 80 para 89 deputados, mas falhou o objetivo de alcançar uma “maioria maior” e governar de forma estável. A AD venceu em 13 distritos, além dos Açores e Madeira, recuperando bastiões históricos como Lisboa, Coimbra, Santarém e Castelo Branco. No entanto, governará com uma maioria relativa num Parlamento ainda mais fragmentado, onde terá de negociar com uma oposição reconfigurada.

Ventura: do outsider ao protagonista

André Ventura reivindicou o fim do bipartidarismo como sua grande vitória. O Chega consolidou-se como segunda força política, ultrapassando o PS em número de deputados em alguns cenários. Com resultados expressivos no sul do país — Faro, Beja, Setúbal e Portalegre — o partido alarga a sua base territorial e torna-se um ator incontornável na nova correlação de forças. Apesar de não ter alcançado o objetivo declarado de vencer as eleições, Ventura saiu politicamente reforçado e com ambições renovadas.

Rui Tavares e o Livre: exceção à esquerda

Num cenário de colapso generalizado da esquerda, o Livre de Rui Tavares destacou-se como a única força progressista a crescer. Ganhou cerca de 50 mil votos, aumentou de cinco para seis deputados e conseguiu eleger dois representantes pelo Porto. Ainda que tenha falhado o objetivo de ultrapassar a Iniciativa Liberal, o crescimento foi suficiente para o colocar entre os vencedores da noite.

PAN mantém-se, Bloco e PCP recuam

Inês Sousa Real conseguiu conservar o único deputado do PAN, mantendo o partido representado numa Assembleia com novos protagonistas. Já Mariana Mortágua viu o Bloco de Esquerda cair para o pior resultado da sua história recente, ficando reduzido à sua própria eleição. Paulo Raimundo, pelo PCP, minimizou perdas, mas também não evitou a redução de quatro para três deputados — uma derrota que o partido classificou como “resultado de resistência”.

Rui Rocha sobe, mas não chega ao jogo do poder

A Iniciativa Liberal aumentou ligeiramente a sua votação e elegeu mais um deputado, mas falhou o grande objetivo político: ser determinante na formação de uma maioria. O partido fica de fora da equação governativa e vê-se relegado para um papel secundário no novo xadrez parlamentar.

PS em queda livre e sem rumo

Pedro Nuno Santos protagonizou uma das maiores derrotas da noite. O PS teve um dos piores resultados da sua história recente, perdendo apoio entre jovens e classe média. A humilhação de disputar o segundo lugar com o Chega ditou a sua saída imediata da liderança. O partido enfrenta agora um difícil processo de sucessão, com divisões internas e sem uma solução clara para recuperar o eleitorado perdido.

CDS: presença simbólica sem crescimento

O CDS, integrado na coligação com o PSD, manteve os dois deputados que já detinha. Apesar de a coligação ter crescido globalmente, o partido liderado por Nuno Melo foi o único à direita que não aumentou a sua representação — um sinal claro da sua perda de influência política.

Uma nova era política

Com dez partidos representados no Parlamento, a governabilidade torna-se mais difícil, os compromissos mais complexos, e as maiorias absolutas uma miragem. A noite de 18 de maio de 2025 ficará para a história como o ponto final do bipartidarismo e o início de uma nova era de pluralidade — com todos os desafios e oportunidades que isso comporta.

AD vence em Vila Verde; PS regista dos piores resultados de sempre

Em Vila Verde, o cenário político local ficou marcado por uma vitória expressiva da coligação AD (PSD/CDS‑PP), um desempenho muito forte do Chega — que conquistou a segunda posição — e uma queda abrupta do Partido Socialista (PS), liderado a nível concelhio por Filipe Silva.

De acordo com os resultados oficiais divulgados, participaram nas urnas 30 194 eleitores (de um total de 45 158 inscritos), o que representa uma taxa de abstenção de 33,14 %.

Destes votos, 1,61 % foram em branco e 0,87 % nulos.

Resultados por partido em Vila Verde:

  • AD (PSD/CDS‑PP): 12 291 votos (40,7 %) — vitória em quase todas as freguesias

  • Chega: 8 333 votos (27,6 %), alcançando o segundo lugar e vencendo em Cabanelas

  • PS: apenas 4 885 votos (16,2 %), marcando um dos piores resultados históricos do partido no concelho

Em comparação com as eleições legislativas de 2024, o PS sofreu uma queda acentuada. A percentagem obtida reduziu-se significativamente, refletindo uma alarmante perda de apoio na região.

O peso político do PS em Vila Verde — sob liderança local de Filipe Silva — sofreu um revés dramático. A descida para cerca de 16 % dos votos coloca o partido atrás de forças políticas emergentes como AD e Chega, que dominaram a noite eleitoral.

Localmente, a coligação AD triunfou em quase todas as freguesias, com exceção da de Cabanelas, onde o Chega levou a melhor.

Sumário dos dados-chave:

  • Abstenção: 33,14 % (45.158 inscritos vs. 30.194 votantes)

  • PS: 4.885 votos — 16,18 % dos sufrágios

  • AD: 12.291 votos — vitória clara, cerca de 40 %
  • Chega: 8.333 votos — 27,6 %, segundo partido mais votado

Este resultado representa, inequivocamente, um dos piores desempenhos do PS em Vila Verde nas últimas décadas, e coloca Filipe Silva hoje sob forte pressão por parte dos militantes e eleitores, dado o abismo verificado entre as expectativas e o apoio real.

Líderes da extrema-direita europeia felicitaram André Ventura pelos resultados

Diversas figuras da extrema-direita europeia congratularam André Ventura pelos resultados alcançados pelo Chega nas eleições legislativas portuguesas deste domingo. Entre os que manifestaram publicamente o seu apoio, destacam-se Marine Le Pen, Matteo Salvini, Santiago Abascal, Geert Wilders e outros representantes de partidos radicais de direita.

Marine Le Pen, presidente do grupo parlamentar do Reagrupamento Nacional francês, recorreu à rede social X para elogiar Ventura, referindo que este conseguiu erguer um “movimento patriótico popular e poderoso”. Já Matteo Salvini, líder do partido italiano Lega e atual ministro das Infraestruturas, destacou que, com Ventura, o movimento de patriotas europeus “está cada vez mais forte”.

Também Santiago Abascal, líder do partido espanhol Vox, usou a mesma plataforma para congratular o líder do Chega, afirmando que “as forças patrióticas e conservadoras estão a crescer em todas as nações europeias”, apesar do que descreveu como “cordões sanitários” e da “hegemonia mediática dos partidos globalistas”. Abascal acrescentou ainda que Ventura “deu tudo de si” para alcançar o resultado obtido.

Durante a contagem dos votos, Maximilian Krah, eurodeputado da Alternativa para a Alemanha (AfD), antecipou já um “sucesso fantástico” para o Chega. Geert Wilders, líder do Partido da Liberdade dos Países Baixos, partilhou uma fotografia de Ventura acompanhada da mensagem: “Parabéns a Portugal com um excelente resultado para o Chega e para o meu querido amigo André Ventura”.

Harald Vilimsky, eurodeputado pelo Partido da Liberdade da Áustria, conhecido pelas suas posições anti-imigração, juntou-se igualmente às felicitações.

Todos estes partidos integraram o grupo “Patriotas” no Parlamento Europeu, embora a AfD tenha abandonado o grupo em junho do ano passado, antecipando a sua expulsão.

Apesar dos laços com figuras como Marine Le Pen, André Ventura optou por não comentar quando a dirigente francesa foi condenada por uso indevido de fundos europeus. A decisão judicial afastou Le Pen da corrida presidencial, sustentada na gravidade dos crimes provados. Ventura, que tem assumido a luta contra a corrupção como uma das principais bandeiras políticas, não reiterou o seu apoio a Le Pen nessa ocasião, ao contrário de outros líderes da extrema-direita.

Mais de meio milhão de votos sem representação nas Legislativas: Bloco de Esquerda é o mais penalizado

Nas eleições legislativas de março de 2025, cerca de 567.930 votos — o equivalente a 9,76% dos votos válidos — não foram convertidos em mandatos parlamentares, segundo dados recolhidos pelo politólogo Luís Humberto Teixeira, responsável pelo portal “O Meu Voto”. Esta plataforma permite aos eleitores verificarem se o seu voto contribuiu para a eleição de algum deputado.

Este fenómeno, designado como “desperdício” eleitoral, acontece quando os votos em determinados partidos não são suficientes para garantir a eleição de representantes nos respetivos círculos eleitorais. Embora este número seja inferior ao das eleições de 2024, em que foram desperdiçados 761.080 votos (12,29%), continua a refletir uma significativa desconexão entre o voto popular e a representação parlamentar.

O Bloco de Esquerda foi o partido mais penalizado, com 89.297 votos sem representação — quase 75% dos votos obtidos. A queda em relação ao ano anterior é significativa: passou de 282.314 votos válidos em 2024 para apenas 119.211 em 2025, elegendo apenas Mariana Mortágua pelo círculo de Lisboa. O PAN (Pessoas-Animais-Natureza) surge como o segundo partido mais afetado, com 71,10% dos votos sem conversão em mandatos.

Em contraste, o Partido Socialista (PS) conseguiu eleger deputados em todos os círculos onde apresentou listas, não desperdiçando qualquer voto. O Chega foi o segundo partido com menor percentagem de votos não convertidos (1,06%), com o único desperdício registado no círculo de Bragança. A coligação Aliança Democrática (AD) também apresentou uma baixa taxa de votos não representados (0,81%).

Geograficamente, o distrito de Portalegre voltou a ser o mais prejudicado. Quase 41% dos votos válidos depositados neste círculo — um total de 22.790 — não contribuíram para a eleição de nenhum deputado. Portalegre elege apenas dois deputados, que nesta eleição foram atribuídos ao PS e ao Chega. Este é o quarto ato eleitoral consecutivo em que se verifica este padrão. No extremo oposto, Lisboa registou apenas 2,65% de votos desperdiçados, seguida do Porto, com 6,36%.

Luís Humberto Teixeira, especialista em sistemas eleitorais, aponta para a crescente consolidação de um sistema tripartido em Portugal, com três grandes forças políticas a dominar o cenário eleitoral. Essa configuração contribui para a redução do desperdício de votos, em detrimento dos partidos de média dimensão.

Para mitigar estas distorções e tornar o sistema mais proporcional, Teixeira propõe três soluções: a criação de um círculo nacional de compensação, semelhante ao modelo dos Açores; a instituição de um círculo eleitoral único, como na Madeira; ou a redução do número de círculos eleitorais de 22 para nove, o que aumentaria o pluralismo e a representatividade.

Estas propostas constam da petição “Por uma maior conversão dos votos em mandatos”, lançada em 2022, que reuniu 8.933 assinaturas e foi discutida na Assembleia da República em março de 2023, embora por menos de 10 segundos. Segundo o politólogo, apenas a Iniciativa Liberal, o Livre e o PAN demonstraram vontade política de alterar o atual sistema eleitoral. Curiosamente, apesar de ser sistematicamente prejudicado, o Bloco de Esquerda não tem insistido nesta reforma.

Teixeira argumenta ainda que uma mudança no sistema eleitoral poderia contribuir para reduzir a abstenção, que se fixou nos 36,5%. Muitos eleitores em círculos mais pequenos ou na emigração acabam por optar pelo chamado “voto útil”, abandonando os partidos com menor expressão em prol dos que têm maior probabilidade de eleger representantes.

Chega avança onde há mais criminalidade e exclusão social. O que revelam os votos de 2025 sobre os eleitores de cada partido

Uma análise cruzada dos resultados eleitorais das legislativas de 2025 com indicadores socioeconómicos e demográficos dos concelhos revela padrões interessantes sobre o perfil dos eleitores dos principais partidos políticos portugueses. Utilizando a ferramenta Eyedata, foram identificadas várias correlações estatísticas entre o desempenho eleitoral dos partidos e características locais como níveis de criminalidade, poder de compra, densidade populacional, escolaridade, entre outros.

AD (Aliança Democrática): mais votos onde há mais religião e escolaridade

A coligação PSD/CDS-PP, liderada por Luís Montenegro, obteve melhores resultados nos concelhos com maior percentagem de casamentos católicos, sinalizando uma ligação com eleitores mais religiosos. A AD foi também mais votada em zonas com maior proporção de população com pelo menos o ensino secundário completo, maior número de empresas por mil habitantes e melhores resultados no ensino básico. Os concelhos com menor taxa de criminalidade registaram igualmente maior apoio à coligação.

Chega: mais forte em zonas com maior vulnerabilidade social

Os melhores desempenhos do Chega coincidem com concelhos onde há mais crimes registados e maior proporção de população estrangeira, incluindo requerentes de estatuto de residente. O partido de André Ventura também se destacou em zonas com mais beneficiários do Rendimento Social de Inserção e maior taxa de retenção no ensino básico. Os seus resultados tendem a ser mais elevados em municípios com menos casamentos católicos, menor número de médicos e escolas secundárias por habitante, e onde a duração da licença parental dos pais, comparada com a das mães, é mais curta — indicador frequentemente associado a dificuldades económicas.

PS (Partido Socialista): ligação a eleitores mais vulneráveis

O PS obteve melhores resultados nos concelhos com maior número de desempregados de longa duração inscritos nos centros de emprego e com maior número de estabelecimentos de ensino (desde o pré-escolar ao secundário). Registou, contudo, menor expressão em zonas com maior desigualdade de rendimentos. Os socialistas foram também mais votados onde existem menos empresas por habitante, menor volume de compras em terminais de pagamento automático e valores mais baixos de rendas por metro quadrado.

Iniciativa Liberal e Livre: afinidades nos centros urbanos e zonas mais ricas

Tanto a Iniciativa Liberal como o Livre foram mais bem-sucedidos em concelhos com elevado poder de compra, rendas mais altas e maior densidade populacional. Ambos registaram bons resultados em zonas onde uma maior proporção de imigrantes pediu estatuto de residente e onde se verifica menor presença de escolas por habitante. Também se destacaram em locais com menor taxa bruta de mortalidade e maior número de farmácias.

CDU e Chega: padrões semelhantes em alguns indicadores

A CDU teve melhores resultados em concelhos com elevada taxa de criminalidade, maior taxa de retenção escolar e maior taxa de fecundidade. Tal como o Chega, é mais votada em zonas com menor percentagem de casamentos católicos e menor duração das licenças parentais dos pais face às das mães.

Bloco de Esquerda: entre a IL, o Livre e o Chega

O Bloco de Esquerda mostra afinidades com a IL e o Livre ao obter melhores resultados em concelhos com maior poder de compra, rendas mais elevadas e maior percentagem de população estrangeira. Mas partilha também características com o Chega e a CDU, sendo mais forte onde há menos casamentos católicos. Tal como a AD, apresenta melhores resultados em concelhos com menos desemprego registado.

Conclusão: pistas para compreender o novo mapa político

Estas correlações não explicam por si só o comportamento eleitoral, mas fornecem pistas relevantes sobre os ambientes sociais e económicos onde cada partido tende a ser mais forte. Estudos pós-eleitorais aprofundados poderão agora ajudar a confirmar e explicar estes padrões, num contexto de mudança no panorama político nacional após as legislativas de 2025.

Mulheres ocupam 34% dos lugares no Parlamento: Chega é o único partido com menos de um terço de deputadas

Das 226 cadeiras já atribuídas na nova Assembleia da República, 77 serão ocupadas por mulheres, o que representa 34% do total. Este valor repete a percentagem alcançada nas eleições legislativas de 2024, embora se registe um ligeiro aumento no número absoluto de deputadas — mais uma do que no último sufrágio.

A composição ainda não é definitiva, uma vez que os lugares atribuídos aos círculos da Europa e Fora da Europa ainda não foram contabilizados. Além disso, a constituição do futuro Governo poderá levar à substituição de alguns deputados, o que poderá alterar a distribuição por género.

A análise da representatividade feminina por força política revela disparidades relevantes. O Chega é o único partido que não atinge um terço de mulheres eleitas: 18 em 58 deputados, ou seja, 31%. Seria necessário pelo menos mais uma mulher eleita para cumprir esse limiar. Apesar de o PS ter eleito o mesmo número de deputados que o Chega, conta com mais três mulheres nas suas fileiras, com uma proporção de 36%.

Entre os restantes partidos, o Livre destaca-se com uma paridade exata — três mulheres em seis eleitos. A Aliança Democrática (AD), a Iniciativa Liberal (IL) e a CDU apresentam uma proporção de 33%. À esquerda, incluindo PS, Livre, CDU, BE, PAN e JPP, as mulheres representam 39% dos eleitos (27 em 70). À direita — AD, IL e Chega — esse número desce para 32% (50 em 156).

Os partidos que não conseguiram formar grupos parlamentares, como o Bloco de Esquerda e o PAN, elegeram apenas mulheres, reforçando a presença feminina apesar da representação reduzida.

É ainda de salientar que as quatro deputadas que lideraram bancadas parlamentares na legislatura anterior — Alexandra Leitão (PS), Paula Santos (PCP), Mariana Leitão (IL) e Isabel Mendes Lopes (Livre) — foram reeleitas.

No que diz respeito à evolução histórica, a presença feminina no Parlamento tem vindo a crescer de forma gradual desde os anos 70, quando representavam menos de 7%. Durante os anos 80, mantinham-se abaixo dos 8%. A Lei da Paridade, aprovada em 2006, marcou um ponto de viragem, tendo-se atingido pela primeira vez um terço de mulheres deputadas em 2015. Contudo, desde as eleições de 2022, a proporção estagnou, mantendo-se distante da paridade plena.

Nos círculos da emigração, resta ainda apurar os resultados. No entanto, sabe-se que o Chega apresentou listas que violam a Lei da Paridade, não respeitando o mínimo de 40% de representação de cada género. Em caso de eleição, os lugares em causa serão ocupados por homens, podendo acentuar ainda mais o desequilíbrio de género nas bancadas do partido.

José Sócrates desafia Montenegro a escolher entre “democracia e populismo” e alerta para futuro do PS

O antigo primeiro-ministro José Sócrates afirmou que Luís Montenegro, atual chefe do Governo, terá de fazer uma escolha política determinante: entre alianças com a extrema-direita ou com os socialistas. No seu entender, está em jogo mais do que uma estratégia governativa — trata-se, segundo o ex-líder do Partido Socialista, de optar “entre democracia e populismo, entre decência e fanatismo”.

Num artigo de opinião publicado no portal brasileiro ICL Notícias, Sócrates analisa os resultados das eleições legislativas de domingo passado, que classificou como uma “derrota da esquerda e uma vitória da extrema-direita”. Embora reconheça que a coligação de centro-direita Aliança Democrática (PSD/CDS) tenha reforçado a sua posição e assegurado a liderança do Governo, considera que o verdadeiro dado novo é a conquista de uma maioria qualificada por toda a direita, o que abre a porta a possíveis revisões constitucionais.

Sobre o novo cenário parlamentar, Sócrates sublinha que a principal questão política passa pelas futuras alianças da AD. “Com quem se vai coligar o centro-direita: com a extrema-direita ou com os socialistas?”, questiona. Embora reconheça que a demissão de Pedro Nuno Santos da liderança do PS permita a Montenegro adiar essa decisão, acredita que essa escolha terá de ser feita “em breve” e que marcará um novo capítulo na política portuguesa.

O ex-primeiro-ministro manifestou ainda preocupação com o crescimento do Chega, que associa à ascensão de um discurso anti-imigração, à valorização da autoridade estatal em detrimento das liberdades individuais e à retórica nacionalista com traços de nostalgia imperial.

Quanto à expressiva derrota do Partido Socialista, Sócrates vê nela um reflexo do enfraquecimento da social-democracia na Europa, mas teme consequências mais profundas. “O mais preocupante é que esta derrota possa pôr em causa o PS como grande partido popular”, alerta. Recorda que o PS sempre se caracterizou por ser um partido pluralista, interclassista e com ampla liberdade interna, e não uma formação restrita ou dominada por lógicas de aparelho.

Num tom reflexivo, José Sócrates deixa ainda um aviso aos militantes socialistas, citando o filósofo Daniel Innerarity: “A política exige uma especial habilidade para conviver com a deceção.” E conclui, referindo-se ao desafio do PS após a derrota: “As eleições não são um critério de razão e a estupidez das maiorias consiste, amiúde, em querer ter, além da maioria, a razão.”

Revisão constitucional em perspetiva: Direita avança com propostas, PS cauteloso, AD prudente

A revisão da Constituição surge como um dos primeiros temas em destaque após as últimas eleições legislativas, apesar de ter estado ausente do debate eleitoral. A nova correlação de forças no Parlamento — com a direita a conquistar, pela primeira vez, uma maioria que dispensa o Partido Socialista (PS) — está a redefinir o cenário político em torno da Lei Fundamental.

Embora não tenha sido apontada como prioridade durante a campanha, a revisão constitucional tornou-se um tema incontornável na noite eleitoral. A Aliança Democrática (AD), que inclui o PSD, não a considera prioritária, mas também não pretende colocar “vetos nem exclusivos”, assegurou o ministro da Presidência, António Leitão Amaro. O PSD está disponível para discutir propostas, desde que respeitem os princípios do Estado de direito, da economia social de mercado e da proteção dos direitos fundamentais.

O Chega e a Iniciativa Liberal (IL) foram os primeiros partidos a anunciar a intenção de apresentar projetos de revisão. A IL quer posicionar-se como o “pêndulo constitucional” e promete entregar em breve a sua proposta, o que obrigará os restantes partidos a fazê-lo no prazo de um mês. O partido liberal pretende eliminar referências ideológicas do texto constitucional — como a menção ao “caminho para uma sociedade socialista” — e introduzir maior liberdade de escolha na Saúde e na Educação. Defende ainda alterações à fiscalização constitucional e à composição dos círculos eleitorais, propostas que não têm o apoio nem do PS nem do PSD.

Já o Chega, que também abordou o tema durante a campanha, reafirmou a intenção de avançar com medidas como a prisão perpétua, a redução do número de deputados e o encurtamento dos recursos judiciais. André Ventura apelidou o momento de “histórico”, sublinhando que, com a atual configuração parlamentar, só não se procede à revisão se não houver vontade política.

No PS, o ambiente é de apreensão. Alguns dirigentes, como Alexandra Leitão, Pedro Delgado Alves e Isabel Moreira, defenderam que o partido deve negociar com a AD uma troca política: em troca de estabilidade governativa, evitar-se-ia uma revisão constitucional. No entanto, esta proposta não gera consenso interno e foi rejeitada pela liderança da AD.

Em 2023, uma tentativa de revisão constitucional iniciada pelo Chega estava em curso aquando da dissolução da Assembleia da República. Nessa altura, PS e PSD haviam já alcançado entendimentos em matérias como a resposta a emergências sanitárias e o uso de metadados, fruto das lições da pandemia e de decisões do Tribunal Constitucional.

Também o Livre se manifestou contra o avanço de uma revisão nesta legislatura. Rui Tavares apelou ao primeiro-ministro Luís Montenegro para que se comprometa a não abrir esse processo. A resposta do Executivo, contudo, parece apontar para o contrário: a revisão será aberta, justamente no ano em que se assinalam os 50 anos da eleição da Assembleia Constituinte.

O futuro da Constituição portuguesa está, assim, nas mãos de uma maioria parlamentar que pela primeira vez dispensa o PS, mas que terá ainda de encontrar consensos para alcançar os dois terços exigidos para qualquer alteração.

Chega prepara “governo alternativo” com apelo à sociedade civil e quer demonstrar capacidade de governação

Com o crescimento eleitoral nas últimas legislativas, o Chega procura agora consolidar-se como uma alternativa de poder. O líder do partido, André Ventura, anunciou a intenção de apresentar nas próximas semanas um “governo alternativo” composto por personalidades da sociedade civil, numa tentativa de mostrar que o partido está preparado para governar.

A proposta de um “governo-sombra”, ainda que pouco comum na política portuguesa, segue uma prática mais habitual no Reino Unido, onde é tradição os principais partidos da oposição designarem equipas alternativas para cada ministério. Em Portugal, tem sido mais frequente a apresentação de “ministros-sombra” em momentos estratégicos. Casos como o de António Costa em 2015 com Mário Centeno, ou mais recentemente Pedro Nuno Santos com Fernando Araújo, ilustram esta prática. Rui Rio e Jorge Moreira da Silva também recorreram a esta estratégia no passado.

Segundo a politóloga Marina Costa Lobo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, num sistema multipartidário como o português, a criação de um governo-sombra pode ter várias leituras. Entre elas, a tentativa de se afirmar como uma alternativa viável, sinalizando desconfiança na estabilidade do atual Governo, ou a necessidade de mostrar que o partido tem quadros preparados além do seu líder.

Ventura já deixou claro que pretende recorrer a independentes e profissionais fora da estrutura partidária, reforçando a ideia de que o Chega quer “escolher os melhores para governar”, independentemente da filiação partidária. Evocando Francisco Sá Carneiro, defendeu a escolha dos melhores “em cada terra e em cada município”.

Apesar de não ter revelado nomes, Ventura garante que já foram feitos contactos com várias personalidades. Aposta numa lógica de meritocracia, afirmando que o Chega rejeita os “jobs for the boys” e os cargos atribuídos por filiação partidária, defendendo antes a valorização da competência.

A politóloga Marina Costa Lobo alerta, contudo, que um dos principais desafios do Chega será precisamente o recrutamento de quadros com experiência de governação, uma vez que o partido nunca exerceu funções executivas. Ainda assim, reconhece que o aumento da sua força eleitoral poderá facilitar este processo.

Enquanto isso, continuam por esclarecer as chamadas “linhas vermelhas” do Chega para eventuais negociações com o PSD. André Ventura tem apontado a imigração e a segurança como temas centrais, mas sem apresentar propostas concretas. Na sequência da reunião com o Presidente da República, Ventura garantiu que o partido será um “farol de estabilidade”, mas sem abdicar das suas prioridades.

Por sua vez, Rui Paulo Sousa, da direção nacional do Chega, evitou detalhar medidas programáticas, argumentando que o Orçamento do Estado ainda não foi apresentado. Ainda assim, deixou claro que o partido espera ser tratado em pé de igualdade com PS e PSD, advertindo que a tentativa de isolamento político não tem surtido efeito.

Com este novo posicionamento, o Chega procura não apenas reforçar a sua credibilidade como força de oposição, mas também afirmar-se como uma alternativa política com um programa e uma equipa prontos a assumir responsabilidades governativas.

Relatório aponta infrações em dia de reflexão por parte do PS/Alvalade e candidato do ADN no Facebook

A secção do Partido Socialista (PS) de Alvalade e o cabeça de lista do partido ADN por Setúbal, Márcio Souza, publicaram anúncios pagos no Facebook com apelos ao voto durante o período de reflexão, violando a legislação eleitoral. As publicações foram entretanto removidas da plataforma. A informação consta de um relatório divulgado esta sexta-feira pelo MediaLab do ISCTE, em colaboração com a Comissão Nacional de Eleições (CNE).

De acordo com o relatório, entre 12 e 18 de maio — semana das eleições legislativas — a página do PS/Alvalade promoveu conteúdos pagos com referências diretas às eleições, incluindo durante o dia de reflexão, prática proibida por lei. Numa das publicações, era referido que a campanha do PS estava visível nas ruas do bairro, apelando explicitamente ao voto no partido.

Também o candidato do ADN, Márcio Souza, recorreu a anúncios pagos no Facebook durante o mesmo período. Um dos conteúdos promovia o seu nome e incentivava os eleitores a votar nele, referindo o seu compromisso com o empreendedorismo e a ética.

O relatório do MediaLab identificou ainda outros casos de promoção política irregular, nomeadamente anúncios no Instagram que apelavam ao voto na coligação Aliança Democrática (PSD/CDS-PP), também durante o período de reflexão. Esses conteúdos não estavam devidamente identificados como material de natureza política, o que representa uma dupla infração: propaganda em período proibido e ausência de categorização.

A legislação eleitoral em vigor proíbe qualquer tipo de propaganda nas vésperas e no dia da eleição, incluindo publicações nas redes sociais. Esta proibição aplica-se a todas as atividades que promovam direta ou indiretamente partidos, candidatos ou respetivos representantes.

Desde o início da campanha eleitoral para as legislativas de 18 de maio, o MediaLab do ISCTE, em parceria com a CNE e a agência Lusa, tem monitorizado a desinformação nas redes sociais. O acompanhamento irá prolongar-se até 24 de maio, com relatórios semanais sobre o impacto e a natureza das ações detetadas.