Polémica em torno de Luís Montenegro e a empresa Spinumviva levanta questões sobre conflitos de interesse
Nos últimos dias, o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, tem estado no centro de uma polémica relacionada com a sua empresa Spinumviva. Fundada em 2021, a empresa passou para a titularidade da sua esposa e filhos antes de Montenegro assumir a liderança do Partido Social Democrata (PSD) em 2022. No entanto, revelações recentes sobre contratos da Spinumviva com a Solverde, empresa do setor de casinos e hotelaria, lançaram dúvidas sobre potenciais conflitos de interesse, suscitando fortes reações na arena política.
Relações com a Solverde e alegados conflitos de interesse
De acordo com informações divulgadas pela imprensa, a Solverde paga mensalmente cerca de 4.500 euros à Spinumviva por “serviços especializados de compliance e definição de procedimentos no domínio da proteção de dados pessoais”. Estes valores representam aproximadamente 30% da faturação da empresa em 2024, o que levanta questões sobre a natureza da relação comercial entre ambas as entidades.
De acordo com a Solverde, o Encarregado de Proteção de Dados do grupo, devidamente registado na Comissão Nacional de Proteção de Dados, é André Mendes Costa.
O grupo Solverde pertence à família Violas, uma das mais influentes na região de Espinho, e que tem histórico de ligações ao setor dos jogos de fortuna e azar. Antes de enveredar pela política, Montenegro prestou serviços jurídicos para a Solverde, o que reforça as suspeitas de um possível favorecimento ou contiguidade de interesses entre o atual primeiro-ministro e o grupo empresarial.
A origem da sua fortuna remonta à fundação da Corfi (Cordoaria e Fios) em 1943 por Manuel de Oliveira Violas, que mais tarde se uniu à Cotesi – Companhia de Têxteis Sintéticos, pioneira na produção de fios, cordas, redes e cabos. Atualmente, a Cotesi é o maior produtor mundial de fio agrícola.

Os irmãos Manuel e Rita Violas, através da holding Violas SGPS, detêm participações significativas em várias empresas de relevo:
Super Bock Group: Detêm uma participação relevante neste grupo através do consórcio Viacer, que controla 56% do grupo. A Super Bock Group registou um volume de negócios superior a 500 milhões de euros em 2023.
Solverde Casinos e Hotéis: O portefólio inclui cinco casinos e quatro hotéis, com um volume de negócios de quase 150 milhões de euros e um EBITDA de 33 milhões de euros em 2023.
De acordo com a lista da Forbes Portugal de dezembro/janeiro, a família Violas ocupa a 14ª posição entre os mais ricos do país, com um património avaliado em cerca de 939 milhões de euros.
Além das áreas mencionadas, a família Violas tem investimentos em setores como educação e imobiliário,
Montenegro nega irregularidades e apela à transparência
Em declarações recentes, Luís Montenegro garantiu que os serviços prestados pela Spinumviva à Solverde ocorreram antes de assumir qualquer função governamental e que nunca utilizou a sua posição política para favorecer interesses privados. O primeiro-ministro classificou as acusações como “insinuações infundadas” e afirmou estar disposto a fornecer todos os esclarecimentos necessários.
Montenegro também aproveitou para desafiar outros políticos a revelarem as suas ligações empresariais e patrimoniais, numa tentativa de desviar atenção da polémica e reforçar a sua imagem de transparência.
Pressão da oposição e possibilidade de inquérito parlamentar
Os partidos da oposição, com destaque para o Chega e o Partido Socialista (PS), exigem esclarecimentos adicionais sobre a atividade da Spinumviva e os contratos com a Solverde. O líder do Chega, André Ventura, ameaçou avançar com um pedido de comissão parlamentar de inquérito para investigar os contratos da empresa e possíveis relações privilegiadas entre Montenegro e o grupo Violas.
Por seu lado, o PS tem adotado uma postura mais cautelosa, evitando ataques diretos, mas pressionando o primeiro-ministro a apresentar provas concretas da inexistência de qualquer irregularidade.
Vamos à “salada de fruta”? Luís Montenegro, Hugo Soares, João Rodrigues, Inês Varajão Borges, Raul Varajão Borges, António Vilela, José Manuel Fernandes… Luís Montenegro
Outro elemento que surgiu na discussão política foi a ligação entre Luís Montenegro e o escritório de advogados de Hugo Soares, situado em Braga. Hugo Soares, um dos nomes de confiança de Montenegro no PSD, também tem sido apontado como uma figura com ligações ao setor empresarial e a diversos interesses privados. Não há, até ao momento, provas concretas de que o escritório tenha intermediado contratos entre a Spinumviva e outros clientes, mas a oposição tem insistido na necessidade de clarificação total sobre estas relações.

André Costa e Inês Patrícia foram apresentados com um resumo das suas qualificações, destacando as competências que justificam a sua atuação na área da proteção de dados – aptidões que nem a esposa de Luís Montenegro nem os seus dois filhos, sócios da empresa, possuem nos seus currículos.
Mas quem é afinal Inês Patrícia? Inês Patrícia é, na realidade, Inês Varajão Borges. Esposa de João Rodrigues, candidato do PSD à Câmara de Braga, que, por sua vez, foi sócio de Hugo Soares.
Terá Montenegro ocultado o apelido “Varajão Borges” deliberadamente? Não sabemos. Certo é que o pai de Inês Varajão Borges fez o mesmo 2013.

O médico Raul Borges, pai de Inês Varajão Borges, foi mandatário da candidatura de António Vilela à presidência da Câmara Municipal de Vila Verde, pelo… PSD. De facto, Raul Borges chama-se Raul Varajão Borges, porém em toda a comunicação da campanha de Vilela o seu apelido “Varajão” é igualmente oculto. Deliberado ou não, não se sabe.

Raul Varajão Lopes, conhecido como o “médico do povo”, é uma figura destacada na região de Vila Verde. Com 67 anos e mais de quatro décadas de serviço público, aposentou-se em agosto de 2024, deixando de exercer funções na Unidade de Saúde Familiar (USF) Sá de Miranda, na Ribeira do Neiva, e no Pico de Regalados. Natural de Arcos de Valdevez, considera a Póvoa de Lanhoso como sua “terra adotiva” e afirma ter “Vila Verde no coração”.
Na ocasião, destacou as qualidades de Vilela, sublinhando a sua seriedade, competência e humanismo, e apelou ao apoio dos vila-verdenses à candidatura. O antigo presidente da Câmara acabou condenado a pena de prisão pelos crimes de prevaricação e corrupção.
Ness mesmo ano (2013) José Manuel Fernandes era presidente da comissão de Honra da Candidatura de António Vilela à presidência da Câmara de Vila Verde. Era também presidente da Comissão Política Distrital do PSD de Braga. Nesse papel, teve um papel ativo no apoio a candidatos do partido nas eleições autárquicas, incluindo António Vilela em Vila Verde. Como líder distrital, sua influência era significativa na estratégia e coordenação das campanhas municipais na região.

Em 2024, José Manuel Fernandes, foi nomeado Ministro da Agricultura e Pescas no XXIV Governo Constitucional de Portugal, liderado pelo Primeiro-Ministro Luís Montenegro. Antes disso, exerceu o cargo de deputado ao Parlamento Europeu desde 2009 até 1 de abril de 2024, data em que renunciou ao mandato para assumir as novas funções ministeriais.

Rádio Popular não revela quanto paga à Spinumviva
A Rádio Popular, um dos cinco clientes regulares da empresa familiar de Luís Montenegro, a Spinumviva, não divulga o valor da avença mensal paga pelos serviços prestados pelo retalhista de eletrónica de consumo.
Em resposta ao jornal “Expresso”, Ilídio Silva, fundador e CEO da Rádio Popular, remeteu mais detalhes para o comunicado da Spinumviva, onde é mencionado que a empresa, anteriormente pertencente ao primeiro-ministro, recebia avenças mensais que variavam entre mil e 4.500 euros.
A Rádio Popular esclareceu ao “Expresso” que a Spinumviva fornece um conjunto de “serviços especializados de compliance e definição de procedimentos na área da proteção de dados pessoais, garantindo o suporte técnico e consultivo necessário para o cumprimento da legislação em vigor”. A função de encarregada da proteção de dados é desempenhada por Inês Varejão Lopes.
Montenegro só declarou Spinumviva ao Tribunal Constitucional quando já era primeiro-ministro
Luís Montenegro só reportou a Spinumviva ao Tribunal Constitucional depois de se tornar primeiro-ministro. Durante o seu mandato como líder do PSD, não a incluiu na declaração de património, apesar de a ter transferido para a esposa e filhos, o que gerou várias dúvidas sobre os rendimentos.
O nome da empresa familiar só apareceu na lista de bens quando Montenegro assumiu a liderança do Governo.
Carla Montenegro já doou quotas da Spinumviva aos filhos
Entretanto, a mulher de Montenegro já transferiu as suas quotas da Spinumviva para os filhos. Carla Montenegro deixou de ser gerente da empresa familiar desde a última segunda-feira e, na quarta-feira seguinte, cedeu a sua participação maioritária na empresa aos dois filhos.
Cronologia
15 de fevereiro
Surge a informação que a família de Montenegro possui uma “empresa de compra e venda de imóveis”, a Spinumviva, que poderia ser favorecida pela lei dos solos. A notícia foi avançada pelo Correio da Manhã.
Luís Montenegro considerou “absurda e sem fundamento” a ideia de que poderia haver um conflito de interesses, devido à possibilidade de a empresa imobiliária da sua família ser beneficiada pela recente alteração da lei dos solos aprovada pelo Governo. Garantiu que a empresa se dedicou exclusivamente à “consultoria na área de proteção de dados pessoais”.
16 de fevereiro
O líder do Chega ameaçou apresentar uma moção de censura ao Governo caso o primeiro-ministro, Luís Montenegro, não fornecesse explicações ao país nas 24 horas seguintes sobre o que chamou de “suspeita absoluta de corrupção”.
18 de fevereiro
Após o término desse prazo, o líder do Chega anunciou a moção de censura, que tem chumbo garantido, pois o PS já assegurou que votaria contra. Mesmo assim, continuam a aumentar os pedidos de esclarecimento, com Pedro Nuno Santos a criticar o facto de Luís Montenegro não ter respondido às perguntas dos jornalistas desde o dia 20 de janeiro.
21 de fevereiro
O Governo enfrentou a primeira moção de censura na Assembleia da República, que foi rejeitada com os votos contra do PSD, PS, IL, CDS-PP, Livre, PAN e Bloco de Esquerda, a abstenção do PCP e os votos a favor do Chega e do deputado não-inscrito Miguel Arruda.
23 e 24 de fevereiro
Soube-se que Luís Montenegro e o proprietário do grupo Solverde, Manuel Violas, participaram no mesmo torneio de golfe no Porto, apenas dois dias após a votação da moção de censura apresentada pelo Chega no Parlamento.
28 de fevereiro
O Expresso revela que o grupo Solverde paga uma avença mensal de 4.500 euros à Spinumviva. A avença é paga desde julho de 2021.
1 de março
Luís Montenegro, disse que avançaria com uma moção de confiança se a oposição não esclarecesse se considera que o Governo tem condições para continuar a implementar seu programa. Também anunciou que a empresa de sua família passaria a ser gerida pelos filhos e que mudaria de sede. Pouco depois, o PCP informou que apresentaria uma moção de censura ao Governo, alegando que não está em condições de resolver os problemas de Portugal.
Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, afirmou que não apoiaria a moção do PCP, considerando que eles tinham caído na armadilha do Governo. Contudo, disse que, se o Governo apresentar uma moção de confiança, o PS votaria contra, pois não tem confiança no executivo.
Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças, declarou que, se a moção de censura do PCP for rejeitada no Parlamento, não haveria razão para o Governo apresentar uma moção de confiança, já que isso mostraria que o Parlamento acredita que o Governo pode continuar a governar.
2 de março
O PCP apresentou no Parlamento uma moção de censura ao Governo, 12 dias após o Chega ter feito o mesmo, mas com a sua moção rejeitada.
3 de março
Montenegro, afirmou que cumpriu todas as obrigações declarativas e anunciou que solicitará à Entidade para a Transparência uma auditoria à conformidade das suas declarações.
Pedro Nuno Santos informou que o partido irá avançar com uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o caso da Spinumviva, acusando o primeiro-ministro de ser o “principal fator de instabilidade política”.
5 de março
Pouco antes da discussão da segunda moção de censura ao Governo em menos de quinze dias, a Solverde anunciou o fim do contrato de prestação de serviços com a Spinumviva, em defesa do seu “bom nome” e reputação.
Antes do debate, a Spinumviva informou que a doação das quotas da mulher de Montenegro para os filhos foi concluída, e que a sede da empresa foi transferida para o Porto, conforme anunciado por Luís Montenegro no sábado. O debate terminou com o chumbo da moção de censura e o anúncio, por parte do Governo, de que apresentará uma moção de confiança ao Parlamento, dado que não ficou claro se os partidos consideram que o executivo tem condições para continuar.
6 de março
O Conselho de Ministros reuniu-se pela manhã de forma eletrónica e já aprovou o texto da moção de confiança.
A moção defende que “o país precisa de clarificação política” diante das dúvidas sobre a vida patrimonial e profissional do primeiro-ministro, sendo “hora de cada um assumir as suas responsabilidades”.
Mais tarde, no início da tarde, o ministro confirmou que a moção de confiança já foi entregue na Assembleia da República.
>> 11 de março
O debate da moção de censura deve ocorrer no terceiro dia parlamentar subsequente à sua entrega, e a sua rejeição resulta na demissão do Governo. Sendo entregue hoje, o debate está marcado para a próxima terça-feira, 11 de março.
>> Entre 11 e 18 de maio
O Presidente da República indicou esta data como a “primeira possível” para a realização de eventuais eleições legislativas antecipadas, comprometendo-se a agir para “minimizar os custos em termos de efeitos” e “maximizar a celeridade e rapidez no enfrentar da situação”.