A recente alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) em Portugal, através do Decreto-Lei 117/2024, de 30 de dezembro, tem gerado significativa polémica. Esta legislação, conhecida como Lei dos Solos, permite a reclassificação simplificada de terrenos rústicos em urbanos, desde que destinados à construção de habitação. O objetivo declarado pelo Governo é aumentar a oferta de habitação a custos controlados, especialmente em áreas com elevada procura imobiliária.

O país assistiu recentemente à demissão do secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, após revelações de que teria criado empresas imobiliárias enquanto promovia a nova legislação. Este incidente levantou questões sobre possíveis conflitos de interesse e a transparência no processo legislativo.

Uma dessas pessoas é Carlos Cação, presidente da União de Freguesias do Vade, em Vila Verde. Eleito inicialmente em setembro de 2013, foi reeleito nas eleições autárquicas de 2017 e 2021. É engenheiro civil e político português, membro do Partido Social Democrata (PSD). Atualmente, exerce o cargo de deputado na Assembleia da República, representando o círculo eleitoral de Braga. Além disso, é presidente da Associação Florestal do Cávado.

Registo de interesses de Carlos Cação registado na Assembleia da República

Negócios no Imobiliário – eventuais conflitos de interesses

Carlos Cação constituiu em 2017 a empresa Fachada Maravilha, S.A. à qual detém 99,5% do seu capital. A revelação foi feita hoje pelo jornal Página Um. Posteriormente alterou o nome da sociedade para Preminvest, S.A, que para além de atividade de construção civil e empreitadas de obras públicas, também atua na compra e venda de bens imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento de imóveis próprios.

Negócios no Ambiente eventuais conflitos de interesses

No âmbito parlamentar, desempenha funções na Comissão de Ambiente e Energia como coordenador do grupo parlamentar do PSD.

Ora, faz parte também da atividade da empresa de Cação a separação, tratamento, reciclagem e gestão de lixos e resíduos, a comercialização dos lixos ou resíduos recolhidos depois de tratados, separados ou reciclados. Atua também na área de comércio de produtos de limpeza e de produtos para tratamento de resíduos. Aluga ainda contentores para depósito de resíduos e serviço de transporte de resíduos industriais.

Preminvest e Pedrivalões, juntas no mesmo espaço?

A 21 de outubro de 2020, Cação alterou a morada da sede da empresa para a Avenida da Nacional, nº 41, na freguesia de Moure, Vila Verde. Ora, essa é exata morada da filial empresa Pedrivalões LDA, que outrora era do deputado mas que entretanto renunciou à gerência a 10 de julho de 2017, “passando a pasta” para a irmã.

Sítio de internet da Pedrivalões

Recorde-se que em 2018 a Pedrivalões Lda foi o epicentro da “bomba” que rebentou em Vila Verde, quando foi publicada a reportagem do Semanário V intitulada “Apanhados na Teia”, que visava a investigação de empresas ligadas a presidentes de junta do PSD no concelho de Vila Verde, que ganharam contratos de milhões de euros.

A empresa de Cação foi a que mais tinha lucrado com a Câmara de Vila Verde. Cação deixou a gerência da empresa em julho de 2017, não sem antes arrecadar mais de um milhão e trezentos mil euros em obras públicas contratadas pelo Município, grande parte por ajuste direto.

O insólito aconteceu logo de seguida. Em agosto de 2017, já depois de ter passado a representação da empresa para a irmã, acabou de assinar contrato em nome da Pedrivalões com a Câmara de Esposende.

No seu tempo de vida, a Pedrivalões já arrecadou quase 10 milhões de euros em contratos públicos

A consequência do “Apanhados na Teia” em Vila Verde

A 3 de dezembro de 2020, a Polícia Judiciária (PJ) realizou buscas na Câmara Municipal de Vila Verde e em empresas ligadas a cinco presidentes de juntas de freguesia do concelho. A investigação centrou-se em adjudicações a juntas de freguesia e contratos públicos celebrados entre a autarquia e empresas associadas a esses presidentes de junta. As buscas foram acompanhadas por duas magistradas do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto, da secção de investigação económica e financeira.

Os presidentes de junta envolvidos eram empreiteiros que celebraram contratos com a câmara no valor de milhões de euros entre 2014 e 2020.