Faz hoje oito anos que António Vilela e João Luís Nogueira passaram a noite mais carismática de Vila Verde, onde tem lugar a Gala Namorar Portugal, juntos, nos calabouços da PJ de Braga. Foram detidos e acabaram mais tarde condenados a pena de prisão pelos crimes que lhes eram imputados.

No dia dos Namorados de fevereiro de 2017, em plena Gala Namorar Portugal, Vila Verde foi apanhada de surpresa: António Vilela, na altura presidente da Câmara de Vila Verde (PSD), e João Luís Nogueira, proprietário da Escola Profissional Amar Terra Verde (EPATV) foram detidos pela Polícia Judiciária por suspeita de crimes relacionados com concurso público, datado de 2013, de privatização da EPATV. Rui Silva não foi detido por gozar de imunidade parlamentar, pois era deputado do PSD à Assembleia da República.

António Vilela, foi a ausência mais notada na Gala e foi substituído por Júlia Fernandes, na altura vereadora, agora presidente da Câmara. Dizia na altura, Júlia Fernandes, que Vilela terá sentido uma “indisposição” e por isso não estava presente no evento. Na manhã seguinte, “descobriu-se a carapuça”.

António Vilela foi detido pela Polícia Judiciária

Foram condenados a penas de prisão

Em dezembro de 2022, o país ficou com a certeza de que três tinham cometido crimes. O Tribunal de Braga condenou os antigos presidente e vice-presidente da Câmara de Vila Verde, António Vilela e Rui Silva, a penas suspensas de quase cinco anos, por corrupção na privatização da escola profissional.

António Vilela foi condenado a três anos e cinco meses por prevaricação e a três anos e nove meses por corrupção passiva, tendo o Tribunal de Braga aplicado, em cúmulo jurídico, a pena única de quatro anos e 11 meses, suspensa na sua execução por igual período.

O arguido Rui Silva, antigo vice-presidente do município e ex-deputado na Assembleia da República, foi condenado a três anos e um mês por prevaricação e a três anos e meio por corrupção passiva, com o coletivo de juízes a aplicar, em cúmulo jurídico, a pena única de quatro anos e nove meses, também suspensa na sua execução por igual período.

O terceiro arguido no processo, João Luís Nogueira, a quem o tribunal aplicou três anos e cinco meses por prevaricação e três anos e meio por corrupção ativa, ficando com uma pena única de quatro anos e oito meses, igualmente suspensa na sua execução por igual período.

Para o coletivo de juízes, em julgamento ficou provado que “houve a intenção dos arguidos de favorecerem a candidatura da sociedade Val d’Ensino”, criada exclusivamente para o efeito, em janeiro de 2013, pelo arguido João Nogueira, razão pela qual os arguidos “acautelaram determinadas condições a que devia obedecer o procedimento concursal”.

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A TRAMA

Em 2007, Rui Silva foi designado gerente da sociedade pública que detinha a EPATV, mas sem remuneração. Também João Luís Nogueira, então diretor da EPATV, foi nomeado gerente da sociedade pública, assim como outros dois representantes dos municípios de Amares e Terras de Bouro. Refere o MP que João Luís Nogueira pretendia garantir, na qualidade de sócio maioritário e gestor, garantir rendimentos da exploração empresarial daquela sociedade, e para esse efeito, adquirir capital necessário para privatizar aquela escola.

Dizia a acusação que era também pretensão de Rui Silva passar a exercer funções remuneradas de gestão na escola. Já António Vilela, pretendia “a manutenção de algum do domínio sobre a mesma, em representação do Município de Vila Verde”, e também garantir que Rui Silva se mantinha ali em funções, desta feita remuneradas, como era intenção do atual deputado do PSD e como tinha sido acordado entre ambos.

Para isso, sublinha o MP,  o papel de António Vilela seria preponderante, por este deter 50% da capital da sociedade na altura, em nome da Câmara de Vila Verde, em detrimento da menor participação das duas outras autarquias envolvidas na EPATV Amares detinha 30% e Terras de Bouro 20%. Dizia o MP que António Vilela, com um concurso à medida que favorecesse João Luís Nogueira, garantiria assim a vitória da candidatura apresentada por João Luís Nogueira para exploração comercial da sociedade em causa, isto já em 2013.

A promiscuidade, refere o MP, acabou por resultar numa reunião entre os três na presença de um advogado, João Paulo Monteiro, com vista a assegurar que João Nogueira garantiria a vitória no concurso para alienação de 51% da sociedade EPATV, começando então a delinear-se um plano que envolveu ainda a Crédito Agrícola de Vila Verde.

Referia a acusação que António Vilela e Rui Silva, cientes do interesse de João Nogueira, prepararam um plano para que este ultimo vencesse o concurso público, tendo-o preparado “à medida” para o efeito. O MP refere que, “especialmente o arguido António Vilela, na qualidade de presidente da Câmara”, poderia favorecer todo o processo, garantindo também a participação remunerada de Rui Silva após o concurso, com funções diretivas naquela escola, mas sem trabalho específico atribuído, sendo que entre 2013 e 2015 exerceu funções remuneradas com um ordenado de cerca de 2.000 euros por mês, mas apenas comparecia a reuniões, quando para tal era solicitado. Refere ainda que Rui Silva poderia beneficiar de “outras atribuições de natureza económica que se viessem a proporcionar”, algo que, diz o MP, ficou patente com a venda de um carro por parte de Rui Silva à EPATV, mantendo-se, no entanto, como utilizador do mesmo veículo, tendo, por fim, voltado à sua posse sem qualquer contrapartida para aquela escola.

O PLANO

O MP referia que o plano foi urdido numa data anterior a novembro de 2012, sendo que a venda ocorreu em maio de 2013. António Vilela nomeou Rui Silva como presidente do júri do concurso da alienação de 51% da EPATV, de forma a que “apenas João Nogueira conseguisse cumprir, quer por ter conhecimento antecipado dos pressupostos, quer por definição das condições e critérios”, uma candidatura “mais forte”, em detrimento de outras propostas que seriam “dificilmente alcançáveis” durante o prazo anunciado para o negócio.

Referia o MP que, de forma a garantir que João Nogueira era o escolhido no júri do concurso, foram definidos os critérios de escolher a melhor proposta com 20% sobre o preço base de proposta, 40% da qualidade do projeto apresentado e 40% para experiência na área da formação profissional. Refere a acusação que 80% das condições da admissão dependiam exclusivamente da interpretação subjetiva dos membros do júri, contando o preço mais baixo para apenas 20% da escolha, sendo esse o único critério que poderia ser objetivamente controlado.

António Vilela terá então entendido que, para que os 80% tivessem o peso necessário, Rui Silva deveria ser eleito no júri do concurso. Foi então proposto pelo presidente da Câmara que Rui Silva representasse o município de Vila Verde, em conjunto com outros dois elementos que representavam os outros dois municípios detentores de quotas. Rui Silva foi então designado presidente do júri.

O plano passava pela criação, como critério para admissão do concurso por parte dos privados interessados, no depósito de uma caução financeira no valor de 415.325,60€, valor que, diz o MP, estava já acordado entre os dois elementos da autarquia e João Luís Nogueira, interessado na compra.  Esta caução, diz o MP, faz parte da trama que serviria para “limitar a apresentação de outras candidaturas”.

Crédito Agrícola

A acusação apontava que, de forma a garantir a caução exigida pelo município à nova sociedade de João Nogueira, foi contactado o presidente do Conselho de Administração da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vila Verde, José Santos. As reuniões com o diretor do banco, a pedido de António Vilela e de João Nogueira, ocorreram na sede do banco e também na Câmara de Vila Verde. Nessas reuniões, António Vilela terá solicitado a emissão da garantia bancária no valor já apontado, a favor da sociedade “Val D’Ensino”, criada meses antes por João Luís Nogueira, para este efeito.

Diz o MP que António Vilela “fez crer à instituição bancária que o município suportaria a candidatura” da “Val D’Ensino”, pelo que “não existiria qualquer risco para a instituição bancária na aprovação da mesma”, pese embora a sociedade ter sido constituída há menos de um ano e não ter qualquer atividade comercial.

António Vilela sabia que seria difícil uma instituição bancária atribuir uma garantia daquele valor a uma empresa recentemente criada, então terá utilizado a “boa relação” da autarquia com a Caixa Agrícola de Vila Verde para fazer o pedido a José Santos. A instituição bancária acabou por emitir a garantia à nova empresa de João Nogueira, a 31 de maio de 2013. Rui Silva foi “avalista” da emissão da garantia bancária, adensando a “teia” entre os três arguidos e o seu papel no esquema que acabou por fazer com que Rui Silva fosse presidente do júri que escolheu a empresa de João Luís Nogueira, e, em simultâneo, avaliador da caução cedida pelo banco a João Luís Nogueira. O facto de, pouco depois da venda, ter sido proposto por João Nogueira a admissão de Rui Silva num cargo remunerado levantou ainda mais suspeitas aos inspetores da Polícia Judiciária.

Referia a acusação que Rui Silva, mesmo sabendo que presidia ao júri que iria escolher a sociedade privada que entraria no capital da EPATV, foi avalista desta mesma garantia bancária para assegurar tranquilidade a José Santos na concessão da mesma garantia. Rui Silva terá garantido a José Santos que, embora a garantia apontasse um prazo de cinco anos para devolução do dinheiro, a mesma seria cancelada ao fim de 60 dias, depois de João Nogueira vencer o concurso. José Santos pediu então uma confirmação por escrito dessa mesma intenção, João Nogueira emitiu então uma declaração por escrito que, caso a Val D’Ensino vencesse a proposta, a garantia de 500 mil euros seria devolvida no prazo de 60 dias. Caso perdesse, a mesma garantia seria devolvida em apenas 30 dias. Mas venceu e a quantia terá sido devolvida.

O MP aponta que, sem intervenção de António Vilela e de Rui Silva, a garantia bancária pedida por João Nogueira nunca seria atribuída.

Outras entidades queriam entrar no concurso

Pese embora a dificuldade em aceder aos elementos necessários para consultar o concurso, mediante o pagamento de 100 euros, medida que, diz o MP, foi combinada entre os três arguidos, foram duas as firmas, para além da “Val D’Ensino”, que manifestaram interesse neste concurso, tendo, no entanto, desistido devido às exigências pretendidas na apresentação das propostas, designadamente o valor da garantia bancária exigida e na elaboração de projeto pedagógico detalhado, algo que a “Val D’Ensino” já tinha acautelado anteriormente a ser conhecido a intenção da venda por parte das autarquias. Esprominho e Ensiprof foram os interessados no concurso. Esta última, terá mesmo pedido, por escrito, à EPATV, ainda sob domínio público, que facultasse os documentos contabilísticos dos anos anteriores, com vista à análise financeira da entidade e ponderação de rentabilidade, mas, diz o MP, tais documentos nunca foram facultados pelo conselho de administração, na altura presidido por António Vilela.

A 5 de junho de 2013, dia em que reuniu o júri do concurso, existia apenas um candidato à entrada na sociedade e aumento de capital da EPATV. João Luís Nogueira com a sua “Val D’Ensino”.

Rui Silva em maus lençóis

Após ter vencido o concurso, uma das primeiras medidas de João Luís Nogueira na qualidade de gerente da EPATV, foi anular a garantia bancária à Crédito Agrícola, como havia assegurado a José Santos. Também, conforme acordado previamente, João Nogueira contratou “verbalmente” Rui Silva como funcionário da escola, para a função de “Diretor de Serviços”, tendo este auferido um salário mensal de 1,994,42€ entre outubro de 2013 e outubro de 2015. Rui Silva só terá saído da EPATV por ter sido nomeado deputado na sequência das legislativas vencidas pelo PSD. No entanto, após ter perdido o mandato de deputado na sequência da moção dos partidos de esquerda que elegeram o socialista António Costa como primeiro-ministro, Rui Silva regressou a Vila Verde. Recebeu então, através de recibos verdes, o valor de 17.237,50€ entre o período de janeiro e outubro de 2016, até ter sido novamente indicado como deputado à AR. Para além disso, diz o MP, Rui Silva vendeu um Mercedes Benz em 2013 à própria escola, pela quantia de 23.900,00€, continuando a utilizar o mesmo automóvel. Em fevereiro de 2016, o veículo voltou à propriedade de Rui Silva, sem qualquer contrapartida para com a escola. Diz o MP que Rui Silva, em conluio com António Vilela e João Nogueira, só aparecia na escola quando era solicitada a sua presença numa reunião.

Câmara lesada em cerca de um milhão de euros por António Vilela

Segundo o Ministério Público, António Vilela e João Nogueira acordaram que, caso a Val D’Ensino vencesse o concurso, seria transferido o valor de 1 milhão de euros dos cofres da autarquia para a EPATV. Para esse efeito, os dois arguidos elaboraram um esquema para “ultrapassar a inexistência de qualquer registo contabilístico, contrato ou documento vinculativo que justificasse” esta transferência, porque simplesmente não a podiam justificar por a EPATV passar a ser detida maioritariamente por privados, e o contrato impedir que as autarquias cedessem dinheiro público à escola.

Referia o MP que, na prestação de contas do ano de 2013, constava apenas inscrita apenas uma dívida de 40.162,95€ por parte da autarquia para com a EPATV. Em junho de 2014, João Nogueira, de forma a garantir a entrada do dito milhão de euros, intentou uma ação no TAF de Braga onde exigia o pagamento de cerca de 1 milhão e 500 mil euros pelo ensino prestado aos alunos, por ter em funcionamento o curso de “energias renováveis” e por ter constituído e instalado estabelecimentos escolares para funcionamento da formação profissional prestada.

Então, e segundo o MP, com aval de António Vilela, essa ação em tribunal foi cancelada, pouco tempo depois de ter sido intentada, com a autarquia a disponibilizar-se a pagar o valor de 988.000,00€ à EPATV. Este pagamento terá sido feito em quatro prestações, pagas pela autarquia entre 2015 e 2018. No entanto, face a este pagamento, e conforme homologação do TAF, as instalações escolares deveriam passar para a posse do município, algo que não sucedeu. Refere a acusação que as instalações da EPATV continuaram a ser utilizadas pela Val D’Ensino sem qualquer pagamento de renda ou atribuição patrimonial à autarquia. Acusa o MP que este acordo foi efetuado apenas para “legitimar” a transferência do badalado “milhão de euros” para a sociedade de João Nogueira, causando ao município um prejuízo nesse mesmo valor.

Património

Aquando da detenção do autarca e do diretor da EPATV, a 14 de fevereiro de 2017, os mesmos foram inquiridos sobre alegado património incongruente com os rendimentos. Segundo o MP, João Luís Nogueira teria, em património e contas bancárias, um milhão de euros incongruentes com os rendimentos declarados. Já Rui Silva, teria um património não declarado de 142 mil euros. Quanto a António Vilela, o valor é mais baixo, somando cerca de 33 mil euros não declarados.