O arguido que se encontra em prisão preventiva, no âmbito de um caso de burlas conhecido como “olá pai, olá mãe”, e que terá vitimado dezenas de pessoas em todo o país, declarou hoje, em tribunal, que desconhecia estar envolvido numa atividade fraudulenta.
“Fazia aquilo que me pediam, mas não sabia que era ilegal”, afirmou o arguido perante o coletivo de juízes do Tribunal Judicial de Leiria, recorrendo à ajuda de uma tradutora.
Neste julgamento estão a ser julgados sete indivíduos e três empresas. Aos três principais arguidos, um dos quais se encontra detido, são atribuídos os crimes de burla qualificada e associação criminosa, em coautoria.
Os restantes quatro suspeitos, bem como as respetivas sociedades, respondem por crimes de especulação.
De acordo com a acusação do Ministério Público (MP), os arguidos, com idades compreendidas entre os 22 e os 67 anos, vivem na área da Grande Lisboa. O esquema de burlas, tanto consumadas como tentadas, terá causado prejuízos no valor de 109.235,60 euros e afetado 41 vítimas.
O MP sustenta que os três principais arguidos integravam um grupo organizado que se dedicava de forma sistemática a este tipo de burla, conhecida como “olá pai, olá mãe” ou “falso familiar”. Esta prática constituía o seu modo de vida, sendo os lucros posteriormente distribuídos entre os membros, conforme a posição hierárquica de cada um no esquema.
Caberia a estes três elementos principais garantir a disponibilização de grande quantidade de cartões SIM, utilizados em modems configurados com aplicações acessíveis aos restantes membros através de um servidor. Estes cartões permitiam criar contas falsas no WhatsApp, usadas para abordar potenciais vítimas.
Outros membros do grupo forneciam referências e contas bancárias para onde eram realizados os pagamentos, permitindo que o dinheiro entrasse num complexo sistema de fluxos financeiros.
Segundo o MP, o arguido detido, residente em Portugal desde 2019, aceitou uma proposta de uma pessoa não identificada durante a investigação, que consistia em inserir cartões SIM em modems. No quarto onde vivia, passou a usar os sete aparelhos que lhe foram enviados, recebendo até 1.225 euros por mês.
As máquinas necessitavam de uma aplicação, instalada remotamente pelo proponente, sendo o arguido responsável por inserir os cartões e introduzir o número e o PIN no sistema. A compra dos cartões era feita pelos outros dois arguidos principais.
O pagamento desta atividade era feito pelo referido proponente através de criptomoedas, transferidas para a conta do arguido detido, que depois geria os valores com os restantes dois.
Em tribunal, o arguido admitiu que adquiriu os cartões SIM aos outros dois suspeitos e que os inseria nos dispositivos, introduzindo os códigos, mas assegurou nunca ter enviado qualquer mensagem a ninguém.
Disse ainda que aceitou este trabalho por sugestão de um amigo dos tempos de escola (que não foi localizado), que lhe garantiu que a atividade era legal, referindo tratar-se apenas de “publicidade e marketing”.
Acrescentou que esse mesmo amigo instalou a aplicação necessária no computador e era quem lhe dava instruções e enviava o pagamento.
O arguido afirmou ainda que chegou a questionar um vendedor de dispositivos sobre a legalidade da atividade, tendo recebido a garantia de que era tudo permitido, razão pela qual continuou com o trabalho.
Os outros dois principais arguidos confirmaram ter sido contactados devido a anúncios que tinham colocado no Marketplace sobre a venda de cartões SIM.
Ambos admitiram terem recebido pagamentos em bitcoin por parte do arguido detido e, apesar de desconfiarem da quantidade de cartões solicitados, foi-lhes dito que eram para produção de conteúdos para o YouTube e outras redes sociais.
Durante a sessão da manhã, também prestaram declarações outros três arguidos. O julgamento será retomado no próximo dia 24.